quarta-feira, 4 de maio de 2011

O Rosário e os males dos nossos tempos - Papa Leão XIII

Trecho da Carta encíclica Laetitiae Sanctae
Papa Leão XIII



(O Rosário e os males dos nossos tempos)
A aversão ao viver moderno

5. Lamentamos - e conosco devem reconhecê-lo e deplorá-lo mesmo aqueles que não admitem outra regra senão a luz da razão, nem outra medida afora a utilidade, - lamentamos que uma chaga verdadeiramente profunda tenha ferido o corpo social desde quando se começou a descurar os deveres e as virtudes que formam o ornamento da vida simples e comum. De fato, daí se segue que, nas relações domésticas, os filhos, intolerantes de toda educação que não seja a da moleza e da volúpia, recusam arrogantemente a obediência que a própria natureza lhes impõe. Por esse mesmo motivo os operários se afastam do seu próprio mister, fogem do labor, e, descontentes com a sua sorte, levantam o olhar a metas demasiado altas, e aspiram a uma inconsiderada repartição dos bens.

Ao mesmo tempo dai se segue o afanar-se de muitos que, depois de abandonarem o torrão natal, buscam o bulício e as numerosas seduções da cidade. Por este motivo ainda, veio a faltar o necessário equilíbrio entre as classes sociais; tudo é flutuante; os ânimos são agitados por invejas e rivalidades; a justiça é abertamente violada; e aqueles que foram iludidos nas suas esperanças procuram perturbar a tranqüilidade pública com sedições, com desordens e com a resistência aos defensores da ordem pública.

As lições do mistérios gozosos

6. Pois bem: contra estes males pensamos que se deve buscar remédio no Rosário de Maria, composto de uma bem ordenada série de orações e da piedosa contemplação de mistérios relativos a Cristo Redentor e a sua Mãe. Expliquem-se de forma exata e popular os mistérios gozosos, apresentando-os aos olhos dos fiéis como outros tantos quadros e vivas figurações das virtudes. E assim cada um verá que fácil e rica mina eles oferecem de ensinamentos aptos para arrastar com maravilhosa suavidade as almas à honestidade da vida.

7. Eis diante do nosso olhar a Casa de Nazaré, onde toda santidade, a humana e a divina, colocou a sua morada. Que exemplo de vida comum! Que perfeito modelo de sociedade! Ali há simplicidade e candura de costumes; perpétua harmonia de almas; nenhuma desordem; respeito mútuo; e, enfim, o amor: mas não o amor falso e mendaz, e sim aquele amor integral, que se alimenta na prática dos próprios deveres, e tal que atrai a admiração de todos.

Ali não falta a solicitude de se proporcionar a si mesmos tudo quanto é necessário à vida, mas com o "suor da fronte", e como convém àqueles que, contentando-se com pouco, se esforçam antes por diminuir a sua pobreza do que por multiplicar os seus haveres. E, sobre tudo isto, reina ali a maior serenidade de ânimo e alegria de espírito: duas coisas que sempre acompanham a consciência do dever cumprido.

8. Ora, estes exemplos de modéstia e de humildade, de tolerância da fadiga, de bondade para com o próximo e de fiel observância dos pequenos deveres da vida quotidiana, e, numa palavra, os exemplos de todas estas virtudes, assim que entram nos corações e nele se imprimem profundamente, certamente produzem nele pouco a pouco a desejada transformação dos pensamentos e dos costumes.

Então os deveres do próprio estado não mais serão nem descurados nem considerados enfadonhos, mas serão, antes, agradáveis e deleitáveis; e a consciência do dever, imbuída de senso de alegria, será sempre mais decidida no obrar o bem.

Por conseqüência, os costumes tornar-se-ão mais brandos sob todos os aspectos; a convivência familiar transcorrerá no amor e na alegria; as relações com os outros serão pautadas por um maior respeito e caridade. E, se estas transformações se estenderem dos indivíduos às famílias, às cidades, aos povos e às suas instituições, é fácil ver que imensas vantagens devam daí derivar para a sociedade inteira

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A aversão ao sacrifício

9. O segundo mal funestíssimo, que Nós nunca deploraremos bastante, porque ele sempre mais difusa e ruinosamente envenena as almas, é a tendência a fugir da dor e a afastar por todos os meios as adversidades.

De feito, a maioria dos homens não consideram mais, como deveriam, a serena liberdade de espírito como um prêmio para quem exercita a virtude e suporta vitoriosamente perigos e trabalhos; mas excogitam uma quimérica perfeição da sociedade, em que, removido todo sacrifício, se deparem todas as comodidades terrenas.

Ora, este agudo e desenfreado desejo de uma vida cômoda debilita fatalmente as almas, que, mesmo quando não se arruínam totalmente, ficam, sem embargo, tão enervados, que primeiro cedem vergonhosamente em face dos males da vida, e depois sucumbem miseravelmente.

As lições dos mistérios dolorosos

10. Pois bem: ainda contra este mal é bem justificado esperar-se do Rosário de Maria um remédio que, pela força do exemplo, pode grandemente contribuir para fortalecer os ânimos. E isto se obterá se os homens, desde a sua primeira infância, e depois constantemente em toda a sua vida, se aplicarem, no recolhimento, à meditação dos mistérios dolorosos.

Através destes mistérios vemos que Jesus, "guia e aperfeiçoados da fé", começou a fazer e a ensinar, a fim de que víssemos n'Ele próprio o exemplo prático dos ensinamentos que Ele daria à nossa humanidade, acerca da tolerância da dor e dos trabalhos; e o exemplo de Jesus chegou a tal ponto, que, voluntariamente e de grande coração, Ele mesmo abraçou tudo o que há de mais duro de suportar.

Com efeito, vemo-lO como um ladrão, julgado por homens iníquos, e feito alvo de ultrajes e de calúnias. Vemo-lO flagelado, coroado de espinhos, crucificado considerado indigno de continuar a viver, e merecedor de morrer entre os clamores de todo um povo.

Consideremos a aflição de sua santíssima Mãe, cuja alma não foi somente roçada, mas verdadeiramente "transpassada" pela "espadácia dor"- de modo que ela mereceu ser chamada, e realmente se tornou, a Mãe das dores.

11. Todo aquele que se não contentar com olhar, porém meditar amiúde exemplos de tão excelsa virtude, oh! como se sentirá impelido a imitá-los! Para esse, ainda que seja "maldita a terra, e faça germinar espinhos e abrolhos", ainda que o espírito seja oprimido pelos sofrimentos, ou o corpo pelas doenças, nunca haverá nenhum mal causado pela perfídia dos homens ou pelo furor dos demônios, nunca haverá calamidade, pública ou privada, que ele não consiga superar com paciência.

É, pois, realmente verdadeiro o dito: "É de cristão fazer e suportar coisas árduas"; porque todo aquele que não quiser ser indigno desse nome não pode deixar de imitar Cristo que sofre. E repare-se em que como resignação não entendemos a vã ostentação de um ânimo endurecido à dor, como o tiveram alguns filósofos antigos; mas sim essa resignação que se funda no exemplo d'Aquele que "em lugar do gozo que tinha diante de si, suportou o suplício da Cruz, desprezando a ignomínia" (Heb 12, 2); essa resignação que, depois de pedir a Ele o necessário auxilio da graça, de modo algum recusa afrontar as adversidades; antes, alegra-se com elas, e considera um lucro qualquer sofrimento, por mais acerbo que seja.

A Igreja Católica sempre teve, e tem ainda agora, insignes campeões de tal doutrina: homens e mulheres, em grande número, em todas as partes do mundo, de todas as condições. Estes, seguindo as pegadas de Cristo, em nome da fé e da virtude suportam contumélias e amarguras de todo gênero, e têm como seu programa, mais com os fatos do que com as palavras, a exortação de S. Tomé: "Vamos também nós, e morramos com Ele" (Jo. 11, 16).

12. Oh! praza ao Céu que exemplos de tão admirável fortaleza se multipliquem sempre mais, a fim de que deles brote segurança para a sociedade, e virtude e glória para a Igreja

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O descaso dos bens eternos



13. O terceiro mal para o qual é preciso achar um remédio é particularmente próprio dos homens dos nossos dias. Com efeito, os homens dos tempos passados, mesmo quando com excessiva paixão procuravam as coisas terrenas, contudo não desprezavam totalmente as celestes; antes, os mais sábios entre os próprios pagãos ensinaram que esta nossa vida é um lugar de hospedagem e uma estação de passagem, antes que uma morada fixa e definitiva.

Ao contrário, muitos dos modernos, embora educados na fé cristã, procuram de tal modo os bens transitórios desta terra, que não somente esquecem uma pátria melhor na eternidade bem-aventurada, mas, por excesso de vergonha, chegam a cancelá-la completamente de sua memória, contra a advertência de S. Paulo: "Não temos aqui uma cidade permanente, porém demandamos a futura" (Heb. 13, 14).

Quem quiser examinar as causas desta aberração logo notará que a primeira delas é a convicção de muitos de que o pensamento das coisas eternas extingue o amor da pátria terrena e impede a prosperidade do Estado. Calúnia odiosa e insensata.


E, de fato, os bens que esperamos não são de natureza tal que absorvam os pensamentos do homem até o ponto de o distrair inteiramente do cuidado dos interesses terrenos. O próprio Cristo embora recomendando-nos procurarmos antes de tudo o reino de Deus, com isto nos insinua que não devemos descurar tudo o mais.


E, de fato, se o uso dos bens terrenos e dos gozos honestos que deles derivam servem de estímulo à virtude; se o esplendor e o bem-estar da, cidade terrena - que depois redundam em glória da sociedade humana - são considerados como uma imagem do esplendor e da magnificência da cidade eterna, eles não são nem indignos de homens racionais, nem contrários aos desígnios de Deus.


Porque Deus é ao mesmo tempo autor da natureza e da graça; e por isto não pode ter disposto que uma obste à outra e estejam entre si em luta; mas, ao contrário, que, amigavelmente unidas, nos guiem, por uma trilha mais fácil, àquela eterna felicidade a que, embora mortais, somos destinados.


14. Mas os homens dados ao prazer e egoístas, que de tal modo mergulham e aviltam os seus pensamentos nas coisas caducas a ponto de não saberem elevar-se a mais alto, estes, antes que procurarem os bens eternos através dos bens sensíveis de que gozam, perdem completamente de vista a eternidade, caindo assim numa condição verdadeiramente abjeta. Na verdade, Deus não poderia infligir ao homem punição mais terrível do que abandonando-o por toda a vida às seduções dos vícios, sem ter jamais um olhar para o Céu.

As lições dos mistérios gloriosos


15. A este perigo não estará exposto aquele que, rezando o santo Rosário, meditar com atenção e com freqüência as verdades contidas nos mistérios gloriosos. Desses mistérios, com efeito, brilha na mente dos cristãos uma luz tão viva, que nos faz descobrir aqueles bens que o nosso olho humano nunca poderia perceber, mas que Deus - assim o cremos com fé inabalável - preparou "para aqueles que o amam".


Deles aprendemos, além disto, que a morte não é um esfacelamento que tudo perde e destrói, mas sim uma simples passagem e uma mudança de vida. Aprendemos que o caminho do céu está aberto a todos; e, quando observamos Cristo que volta ao Céu, recordamos a sua bela promessa: "Vou preparar-vos o lugar".


Aprendemos que haverá um tempo em que "Deus enxugará toda lágrima dos nossos olhos; em que não haverá mais nem lutos, nem pranto, nem dor, mas estaremos sempre com o Senhor, semelhantes a Deus, porque o veremos como Ele é, bebendo na torrente das suas delícias, concidadãos dos santos", em feliz união com a grande Mãe e Rainha.


16. Uma alma que se nutra destas verdades deverá necessariamente inflamar-se delas e repetir a frase de um grande. Santo: "Oh! como me parece sórdida a terra quando olho o Céu"; deverá necessariamente alegrar-se ao pensamento de que "um instante de um leve sofrimento nosso produz em nós uma medida eterna de glória".

E, verdadeiramente, só aqui está o segredo de harmonizar o tempo com a eternidade, a cidade terrena com a celeste, e de formar caracteres fortes e generosos. E se estes se tornarem muito numerosos, sem dúvida estará com isso consolidada a dignidade e a grandeza do Estado; e florescerá tudo o que é verdadeiro, tudo o que é bom, tudo o que é belo; florescerá em harmonia com aquela norma que é o sumo princípio e a fonte inexaurível de toda verdade, de toda bondade e de toda beleza.

17. Ora, quem não vê a verdade disso que havemos observado desde o princípio, isto é, de que preciosos bens é fecundo o santo Rosário? O quanto ele é maravilhosamente eficaz em curar os males dos nossos tempos, e em opor um dique aos gravíssimos males da sociedade?

 
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