terça-feira, 14 de julho de 2015

“…SEJA FEITA A VOSSA VONTADE, ASSIM NA TERRA, COMO NO CÉU…”

O Espírito Santo produz em vós um terceiro dom, chamado dom de Ciência.
O Espírito Santo não produz nos bons somente o dom do Temor e o dom da Piedade que, como vimos atrás, é um amor delicado por Deus. O Espírito Santo torna o homem sábio.
Davi pedia o dom da ciência no Salmo 118, 66, dizendo: Ensinai-me a bondade, a doutrina e a ciência. E é esta ciência do bem viver, que nos ensina o Espírito Santo.
Entre as disposições que contribuem para a ciência e a sabedoria do homem, a mais importante é aquela que faz com que o homem não se apóie em si mesmo. Não te estribes em tua prudência, recomenda o livro dos Provérbios (3, 5). Com efeito, os que confiam em seu próprio julgamento, a ponto de não se fiarem senão em si mesmos e não nos outros, são considerados como insensatos, e verdadeiramente o são. Declara o livro dos Provérbios (26, 12): Mais se deve esperar de um ignorante do que de um homem que é sábio a seus próprios olhos.
Um homem não confia em seu próprio julgamento se é humilde, pois, ensinam os Provérbios (11, 2): onde há humildade, aí há igualmente sabedoria. Os orgulhosos ao contrário, põem em si toda confiança.
Assim sendo, o Espírito Santo nos ensina, pelo dom de Ciência, a não fazer a nossa vontade, mas a vontade de Deus. E também quando pedimos a Deus, que Sua vontade se faça no céu, como na terra, manifesta-se O dom de Ciência.
Quando dizemos a Deus: Seja feita a vossa vontade, é como se fôssemos doentes que aceitam o remédio amargo, prescrito pelo médico. O doente não quer tal remédio, mas aceita a vontade do médico, do contrário, seguindo só sua vontade, seria um insensato. Da mesma maneira, não devemos pedir a Deus nada além do Seu querer, isto é, a realização de Sua vontade em nós.
O coração do homem é reto, quando está de acordo com a vontade divina, assim como fez o Cristo: (Jo 6, 38): Desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade d’ Aquele que me enviou.
Cristo, enquanto Deus, tem uma só vontade com o Pai, mas enquanto homem tem sua vontade distinta da vontade do Pai. Foi falando desta vontade que declarou: não faço a minha vontade, mas a de meu Pai. E por isso nos ensinou a rezar e a pedir: «seja feita a vossa vontade».
Mas qual é a razão de ser desta oração: «Seja feita a vossa vontade?»
Não se diz a Deus, no Salmo 113 (v. 3): Tudo quanto quis, fez? Se Deus faz tudo que quer no céu e na terra, porque diz Jesus: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu?
Para compreender a causa deste pedido é preciso saber que Deus quer para nós três coisas que realizamos nesta oração.
a) Em primeiro lugar, Deus quer que tenhamos a vida eterna. Quando alguém faz alguma coisa visando um determinado fim, quer que ela atinja tal fim. Ora, Deus não fez o homem sem um fim determinado. Diz o Salmo (88, 48): acaso criastes em vão todos os filhos dos homens? Deus criou os homens, para um fim que não são as volúpias, pois estas também as têm os animais. Deus quis que o homem alcançasse a vida eterna. (cf. Jo. 3, 16; 10, 10).
Quando alguma coisa atinge o fim para que foi feita, diz-se que está salva; quando não atinge, diz-se que está perdida. Ora, o homem é feito por Deus para a vida eterna. Quando ele chega lá, está salvo; e esta é a vontade de Deus para ele. Esta é a vontade do Pai que me enviou: que o que vir o Filho e crer nele, tenha a vida eterna. (Jo 6, 40).
Esta vontade já se cumpriu nos anjos e santos, que vivem na pátria celeste, pois vêem a Deus, o conhecem e gozam dele. Mas nós desejamos que, assim como a vontade de Deus se cumpre nos Bem-aventurados que estão no céu, se cumpra também em nós que estamos na terra. Por isso pedimos na oração: «Seja feita a vossa vontade» em nós, que estamos na terra, como nos Santos, que estão no céu.
b) Quanto a nós, Sua vontade é que cumpramos Seus mandamentos. Quando alguém deseja um bem, quer não só este bem, como os meios para obtê-lo. Também o médico, para conseguir a saúde do doente, quer a dieta, os remédios e outras coisas desse gênero.
Ora, Deus quer que tenhamos a vida eterna.
Ao moço que lhe pergunta: Que devo fazer de bom para ter a vida eterna? Jesus responde: Se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos (Mt 19, 17).
São Paulo escreve, a esse propósito, aos Romanos (12, 19): E não vos conformeis com este mundo, mas reformai-vos com um espírito novo, para que experimenteis qual é a vontade de Deus, boa, agradável e perfeita.
A vontade de Deus é boa porque é útil. Sou o Senhor teu Deus, que te ensina o que é útil. (ls 48, 17).
É agradável para aqueles que a amam. Se a vontade de Deus não é grata aos que não a amam, para os que a amam é deliciosa. A luz nasceu para os justos, a alegria para os retos de coração, diz o Salmista (Sl 96, 11 ).
A vontade de Deus é também perfeita, porque é uma bondade superior a tudo. Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito, prescrevia Jesus (Mt 5, 48).
Assim, quando dizemos, «Seja feita a vossa vontade», pedimos a graça de observar os mandamentos de Deus.
Ora, a vontade de Deus se cumpre nos justos, mas ainda não nos pecadores. Os justos são designados pelo céu e os pecadores pela terra.
Pedimos, pois que a vontade de Deus seja feita na terra, isto é nos pecadores, como é feita no céu, nos justos.
Notemos que Jesus, com o próprio modo de formular o terceiro pedido do «Pai nosso» nos dá um ensinamento:
Jesus não nos faz dizer a nosso Pai: «fazei a vossa vontade», nem tão pouco, «que nós façamos a vossa vontade», mas sim: «Seja feita a vossa vontade».
Com efeito, duas coisas são necessárias para alcançarmos a vida eterna: a graça de Deus e a vontade do homem.
Apesar de Deus ter criado o homem sem chamá-lo a cooperar na criação, não o justifica, no entanto, sem a cooperação dele. «Aquele que te criou sem ti, não te justificará sem ti» diz Santo Agostinho, em seu comentário sobre São João. Realmente, Deus quer esta cooperação do homem. Convertei-vos a mim, e eu me converterei a vós, diz Ele em Zacarias (1,3); e São Paulo escreveu: (1 Cor 15, 10) Pela graça de Deus sou o que sou e sua graça não tem sido vã em mim.
Não sejais presumidos, mas confiai na graça de Deus; não negligencieis o vosso esforço, mas trazei vossa cooperação.
É por isso que Jesus não nos manda dizer «que nós façamos a vossa vontade», do contrário pareceria que a graça de Deus não tem nada para fazer. Também não prescreve «Fazei a vossa vontade», senão pareceria que nossa vontade e nosso esforço não servem para nada.
Mas Jesus nos faz dizer: Seja feita a vossa vontade, pela graça de Deus, à qual juntamos nosso trabalho e nosso esforço.
c) em terceiro lugar, Deus quer que sejamos restabelecidos no estado e na dignidade em que foi criado o primeiro homem. Dignidade e estado tão elevados que seu espírito e sua alma não sentiam qualquer oposição da parte da carne e da sensibilidade.
Enquanto a alma foi submissa a Deus, a carne foi submissa ao espírito e tão perfeitamente que não experimentou nem a corrupção da morte nem a alteração da doença e das outras paixões.
Mas a partir do momento em que o espírito e a alma, que estavam entre Deus e a carne, se rebelaram contra Deus, pelo pecado, também o corpo se rebelou contra a alma e começou a ter doenças e a morrer, e sua sensibilidade continuamente se revoltou contra o espírito. O que faz com que São Paulo diga: (Rm 7,23). Sinto nos meus membros uma outra lei, que repugna à lei do meu espírito. E (Gl 5, 17) A carne tem desejos contra o espírito e o espírito contra a carne. Assim há uma guerra incessante entre o espírito e a carne; o homem torna-se cada vez pior pelo pecado.
Deus quer que o homem seja restabelecido em seu primeiro estado, isto é, que não haja nada na carne que se oponha a seu espírito; o que São Paulo exprime assim (1 Ts 4, 3): Pois é essa a vontade de Deus: a vossa santificação.
Ora, esta vontade de Deus, quanto ao nosso corpo, não pode realizar-se nesta vida. Ela se realizará na ressurreição dos santos, quando seus corpos ressuscitarão gloriosos, incorruptíveis e esplêndidos, segundo a palavra do Apóstolo (1 Cor 15,43): Semeia-se na vileza, mas o corpo ressuscitará na glória.
No entanto a vontade de Deus se realiza aqui em baixo, no espírito dos justos, por sua justiça, ciência e vida. Assim, quando dizemos: «Seja feita a vossa vontade», pedimos ao Senhor que realize sua vontade também em nossa carne.
Segundo esta explicação, no pedido, «Seja feita a vossa vontade, assim na terra, como no céu», a Palavra céu designa nosso espírito e a palavra terra designa nossa carne. E o sentido deste pedido será: que vossa vontade seja feita na terra, isto é, em nossa carne, como é feita no céu, isto é, em nosso espírito, pela justiça.
Este terceiro pedido nos faz chegar à bem-aventurança das lágrimas, que o Senhor nos fez conhecer no Sermão da Montanha (Mt 5, 5): Bem aventurados os que choram, porque serão consolados. É fácil demonstrá-la retomando os três pontos de nossa explicação.
Primeiramente, Deus quer para nós e nos faz desejar a vida eterna. Por esse amor à vida eterna, somos levados a derramar lágrimas. Ai de mim, canta o salmista, como é longo o meu exílio! (Sl 119,5). E esse desejo de vida eterna, entre os santos, é tão forte que os faz aspirar à morte, se bem que, em si mesma, ela seja objeto de aversão. Nós preferimos deixar este corpo e estar presentes no Senhor (2 Cor 5,8).
Em segundo lugar, os que guardam os mandamentos de Deus, para obedecer à vontade de Deus, estão também na aflição, porque, se os preceitos são doces para a alma, são amargos para a carne, pois a mortificam. Falando da carne, e também de suas almas, o Salmista diz dos justos (Sl 125, 5): Semearam em lágrimas, com alegria ceifarão.
Em terceiro lugar, falamos da luta incessante entre nossa carne e nosso espírito. Luta essa que é, igualmente, objeto de nossas lágrimas. É impossível que neste combate a alma não receba alguns ferimentos da parte da carne, ao menos os dos pecados veniais. A obrigação de expiar estas faltas é razão de lágrimas. Salmo 6,7: Todas as noites, isto é, na obscuridade de meus pecados, regarei o meu leito, isto é minha consciência. Os que choram assim, alcançarão a pátria. Que Deus se digne de nos conduzir a ela.
Sermões de São Tomás

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