quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Das dúvidas (Sacramento da Penitência) - Santo Afonso Maria de Ligório

Das dúvidas

    Quanto às dúvidas que possais ter sobre pecados que não tendes certeza de ter cometido, ou sobre confissões talvez mal feitas, se quiserdes manifestá-las ao vosso diretor para maior tranqüilidade vossa, fareis bem; exceto se vossa consciência for escrupulosa, porque às pessoas escrupulosas não se dá conselho que se confessem de suas dúvidas, como melhor explicaremos depois. Todavia é bom que conheçais algumas doutrinas aprovadas pelos teólogos, que vos podem livrar de muitas angústias e assegurar-vos a paz.
     Primeiramente, é sentença sólida e muito prová- vel dos doutores que não há obrigação de confessar os pecados graves duvidosos, quando se duvida da advertência plena ou ainda do consentimento perfeito e deliberado. Somente advertem que, em ponto de morte, há obrigação de fazer o ato de contrição para o caso que aquele pecado duvidoso fosse verdadeiramente grave, ou ainda receber o sacramento da penitência; neste caso porém não há obrigação de declarar o pecado duvidoso, e basta que se apresente outra matéria certa, mesmo só pecados veniais. E isto ainda se entende de uma pessoa que, depois de ter cometido o pecado duvidoso, não houvesse recebido a absolvição sacramental. — No entanto, falando das pessoas que levaram durante longo tempo uma vida espiritual, muitos teólogos gravíssimos dizem com muita razão que, em caso de dúvida se cometeram ou não algum pecado grave, podem estar certas de que não perderam a graça de Deus. Pois é moralmente impossível que uma vontade, confirmada pelos bons propósitos, se mude de repente e consinta em um pecado mortal sem claramente conhecê-lo, visto que o pecado mortal é um monstro tão horrendo que não pode entrar em uma alma que longo tempo o detestou, sem fazer-se claramente conhecer. — Isto está provado plenamente em nossa teologia moral.
     Em segundo lugar, quando o pecado mortal foi certamente cometido, e há dúvida apenas se foi ou não confessado, então se a dúvida é negativa como dizem os doutores, isto é, se não há razões para julgar que o pecado foi confessado, há obrigação certa de declará-lo. Quando, porém, há razão ou presunção fundada de que o pecado já foi confessado alguma vez, é sentença comum, que não há mais obrigação de acusá-lo. — Daí concluem também comumente os doutores que aquele que fez suas confissões gerais e particulares com a diligência devida, se depois duvidar se omitiu algum pecado ou circunstância, não é obrigado a dizê-lo, pois pode prudentemente crer tê-lo já declarado, como devia.
     Mas, me objetareis, se eu fosse obrigado a dizer isto, eu experimentaria muita vergonha. — Não importa, vos responderei eu. Desde que não sois obrigado a manifestar essa dúvida, não vos inquieteis com essa repugnância. Tem-se também vexame de falar de certas ações naturais; no entanto ninguém é por isso obrigado a manifestá-las. Assim, por exemplo, não há obrigação de confessar certas leviandades ou burlas imodestas, praticadas na infância, sem conhecimento da sua malícia. Embora tais coisas tenham sido feitas às escondidas, não é uma prova certa de que se conhecesse a sua malícia, pois as crianças também fazem às ocultas certos atos naturais, embora não sejam pecados. Pelo que, não somos obrigados a confessar particularmente tais faltas, senão quando nos lembramos de as ter cometido com consciência de culpa grave, ou ao menos com dúvida de que fossem faltas graves: bastará que a pessoa diga somente dentro de si: Senhor, se eu conhecesse verdadeiramente a obrigação de confessar-me destas coisas, estaria pronto a fazê-lo, ainda que houvesse de sofrer todas as penas.
    De resto, é bom que cada um exponha ao seu diretor as dúvidas que o inquietam, ao menos para se humilhar, exceto o que for escrupuloso; porque este não deve tocar nelas, como explicaremos ao longo do parágrafo seguinte.
    O que eu mais estimaria, é que cada um manifestasse ao seu confessor suas paixões, seus apegos e as causas de suas tentações, afim de que ele pudesse tocar com a mão e agarrar nas raízes do mal, porque se não os arranca, as tentações nunca cessarão, e haverá grande perigo de consentir, sempre que se podem tirar e não se tiram as causas.
     É também útil a alguns para se humilharem, descobrir as tentações mais vexatórias, como são especialmente os pensamentos contra a castidade, ainda que já tenham sido expulsos. — S. Filippe de Nery dizia uma tentação descoberta, é meio vencida. — Eu disse a alguns, porque a outros, que são de uma virtude provada e tímidos demais nesta matéria, a ponto de julgarem ter sempre dado o consentimento, talvez seja melhor proibir-lhes que se confessem de tal matéria, sempre que não tenham certeza de ter cometido culpa; pois, como se disse em outro lugar falando a outro propósito, desde que tal pessoa se põe a refletir para verificar se consentiu ou não, ou para ver de que modo há de explicar ao confessor a tentação que teve, sua imaginação se impressiona mais das vis representações que lhe sobrevêm ao espírito, e se perturba assim cada vez mais, multiplicando os temores de consentimento. — Basta. Sobre este ponto obedecei ao vosso confessor, e regulai-vos pelo que ele vos disser.

Santo Afonso de Ligório - A Verdadeira Esposa de Cristo, II.

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