segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

NOSSO SENHOR JESUS CRISTO E O LIBERALISMO

A verdade os fará livres!” (Jo 8, 32)
Depois de haver exposto que o liberalismo é uma rebelião do  homem contra a ordem natural concebida pelo Criador, que culmina em uma organização individualista, igualitária e centralizadora, me resta lhes mostrar como o liberalismo ataca também a ordem sobrenatural, o plano da Redenção, quer dizer, em definitivo, como o liberalismo tem por finalidade destruir o reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, tanto sobre o indivíduo como sobre a sociedade.
Em relação à ordem sobrenatural, o liberalismo proclama duas novas independências:
– “A independência da razão e da ciência em relação à fé: é o racionalismo, para quem a razão, juiz soberana e medida da verdade, se basta a si mesma e rechaça toda dominação estranha”.
É o que se chama de racionalismo.
O liberalismo quer separar a razão da fé, que impõe dogmas formulados de modo definitivo, e aos quais a inteligência deve se submeter. A simples hipótese de que certas verdades podem superar as capacidades da razão é completamente inadmissível. Os dogmas devem então ser submetidos à peneira da razão e da ciência, sendo ela de um modo constante, a causa dos progressos científicos. Os
milagres de Jesus Cristo, a vida maravilhosa dos santos, devem ser reinterpretados e desmistificados. Será necessário distinguir cuidadosamente o “Cristo da Fé”, construtor da fé dos apóstolos e das comunidades primitivas, do “Cristo da história” que foi nada mais do que um simples homem. Vê-se quanto o racionalismo se opõe à divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e à Revelação  divina!
Já expliquei como a Revolução Francesa de 1789 se fez sob a égide da deusa Razão. Já o frontispício da Enciclopédia de Diderot (1751) apresentava a coroação da Razão. Quarenta anos mais tarde, a Razão deificada, se transformava em objeto de culto religioso e público:
“Três dias após a secularização, diante da assembléia de padres, tendo à sua frente o bispo metropolitano Gobel, Chaumette propoz solenizar este dia no qual “a razão havia retomado a supremacia”. Apressaram-se em transformar em realidade uma idéia tão nobre, ficando então decidido que o Culto da Razão seria celebrado com grandiosidade em Notre Dame de Paris, especialmente enfeitada pelo pintor David. No topo de um monte de papelão com pinturas imitando pedras, um pequeno templo grego com uma bela bailarina, orgulhosa por ter sido eleita a “Deusa Razão”; coros de meninas  coroadas de flores cantavam hinos. Porém quando a festa acabou, verificou-se que a assistência não era muito numerosa; foram depois em procissão com a Deusa Razão para visitar a Convenção Nacional, cujo presidente a beijou”20.
Este racionalismo demasiado radical porém, não agradou a Robespierre que em Março de 1794 aplica um golpe sobre os “exagerados”:
“Ele achou que sua onipotência deveria fundar-se em bases nitidamente teológicas, e que ele coroaria sua obra estabelecendo um culto ao Ser Supremo, em que ele seria o Sumo Sacerdote. Pronuncia um discurso em 18 de Floreal do ano II (7 de Maio de 1794) “sobre as relações das idéias religiosas e morais com os princípios republicanos e sobre as festas nacionais”; e a Convenção aprova a impressão deste discurso. Ele afirmava que “a idéia de Ser Supremo e da imortalidade da alma” é um constante apelo à justiça, sendo portanto social e republicana. O novo culto será o da virtude. Foi aprovado em decreto pelo qual o povo francês reconhecia os dois axiomas da teologia robesperiana, e uma placa comemorativa seria posta no frontão das igrejas.  Seguia-se uma lista de festas com feriado que ocupava duas colunas: a primeira da lista era a do “Ser Supremo e da Natureza”; ficou decidido que fosse celebrada no dia “20 de Prairial” (8 de Junho de 1794). E ela foi realmente celebrada: começou no jardim das Tulherias onde uma imensa fogueira devorava uma monstruosa imagem do ateísmo, enquanto Robespierre pronunciava um discurso místico. Depois da multidão cantar hinos alusivos, foi iniciado o desfile até o Campo de Marte. A multidão seguiu um carro puxado por oito bois com bandeiras vermelhas, enfeitado com espigas de trigo e folhagens, tendo por cima entronizada a estátua da liberdade”21.
As divagações do racionalismo, as “variações” desta “religião nos limites da simples razão”22, demonstram suficientemente a sua falsidade.
– “A independência do homem, da família, da profissão e principalmente do Estado, em relação à Deus, à Jesus Cristo, à Igreja; é, segundo os pontos de vista, o naturalismo, o laicismo, o indiferentismo (…) da apostasia oficial dos povos que rechaçam a realeza social de Jesus Cristo, e desconhecem a autoridade divina da Igreja”.
Explicarei estes erros por algumas considerações:
O Naturalismo sustenta que o homem está limitado à esfera do natural e que de nenhuma maneira está destinado por Deus à ordem sobrenatural. A verdade é outra: Deus não criou o homem em estado de pura natureza. Desde o começo Deus formou o homem em uma ordem sobrenatural: “Deus, diz o Concílio de Trento, formou primeiro o homem em estado de santidade e justiça” (Dz.º 788). Foi em conseqüência do pecado original que o homem foi destituído da graça santificante, mas a Redenção mantém os desígnios de Deus: o homem permanece destinado à ordem sobrenatural. Ser reduzido à ordem natural é para o homem um estado de violência, que Deus não aprova. Eis o que ensina o Card. Pio, mostrando que o estado natural não é mau em si, mas pela privação da ordem sobrenatural:
“Ensinareis então, que a razão humana tem seu poder próprio e suas atribuições essenciais; ensinareis que a virtude filosófica possui uma bondade moral e intrínseca que Deus recompensa nos indivíduos e nos povos por meio de alguns dons naturais e temporais, algumas vezes incluídos em favores maiores. Mas também ensinareis e provareis por meio de argumentos inseparáveis da essência mesma do cristianismo, que as virtudes naturais, que as luzes naturais, são incapazes de conduzir o homem a seu fim último, que é a glória celestial.
Ensinareis que o dogma é indispensável, que a ordem sobrenatural da qual o autor de nossa natureza nos constituiu, por um ato formal de sua vontade e de seu amor, é obrigatório e inevitável; ensinareis que Jesus Cristo não é facultativo e que fora de sua lei revelada não existe, não existirá jamais o exato meio filosófico e calmo onde todos, tanto almas de elite quanto almas comuns, podem encontrar o descanso de consciência e uma regra de vida.
Ensinareis que não basta que o homem faça o bem, mas que é de grande importância que o faça em nome da fé, por um movimento sobrenatural, sem o qual seus atos não alcançarão  o fim que Deus destinou, ou seja a felicidade eterna no céu…23”.
Assim no estado da humanidade exatamente querido por Deus, a sociedade não se pode organizar nem subsistir afastada de Nosso Senhor Jesus Cristo: é o que ensina São Paulo:
“Por Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, tudo foi criado por Ele e para Ele; Ele é antes de todas as coisas e todas subsistem por Ele” (Cl 1,16).
O desígnio de Deus é de “restaurar tudo em Cristo” (Eph.I,10) ou seja, conduzir todas as coisas a uma só cabeça, Cristo. O Papa São Pio X tomará estas mesmas palavras de São Paulo, como divisa: “omnia instaurare in Christo”, tudo instaurar, tudo restaurar em Cristo: não somente na religião, como também na sociedade civil.
“Não, Veneráveis Irmãos – é necessário relembrar com energia nestes tempos de anarquia social e intelectual, em que cada um se coloca como mestre e legislador – não se poderá construir a sociedade de uma maneira diferente da que Deus a instituiu; não se edificará a sociedade se a Igreja não estabelece as bases e dirige os trabalhos; não, a civilização não está para ser inventada, nem uma sociedade nova para ser construída das nuvens. Ela foi, ela é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se somente de instaurar e restaurar sem cessar a civilização em suas bases naturais e divinas, contra ataques sempre renascentes da rebelião e da impiedade: “omnia instaurare in Christo”24.
Jean Ousset tem excelentes páginas sobre o naturalismo, em sua  obra mestra “Pour Qu’il Regne”, na segunda parte intitulada “As oposições à realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo”; em que ele assinala três categorias de naturalismo, um “naturalismo   agressivo”
que nega mesmo a existência do sobrenatural, aquele dos racionalistas; depois um naturalismo moderado que não nega o sobrenatural, mas recusa dar-lhe proeminência porque sustenta que todas as religiões são provenientes do sentimento religioso: é o naturalismo dos modernistas; finalmente o naturalismo inconseqüente, que reconhece a existência do sobrenatural e sua proeminência divina, mas considera como “matéria de opção”: é o naturalismo prático de muitos cristãos fracos.
O laicismo é um naturalismo político: sustenta que a sociedade pode e deve ser constituída e que pode subsistir sem levar em conta Deus  e a religião, sem levar em conta a Jesus Cristo, sem reconhecer seu direito de reinar, ou seja, de inspirar com doutrina toda a legislação da ordem civil. Como conseqüência, os laicistas querem separar o Estado da Igreja (o Estado não favorecerá a religião católica e não reconhecerá os princípios cristãos como seus), e separa a Igreja do Estado (a Igreja será reduzida a um direito comum de qualquer associação frente ao Estado, e não se levará em conta sua autoridade divina nem sua missão universal). Como conseqüência será estabelecida uma instrução chamada “educação pública” (às vezes obrigatória) laica, quer dizer atéia. O laicismo é o ateísmo do Estado, porém sem este nome!
Voltarei a este erro, próprio do liberalismo atual e que goza dos favores da declaração do Vaticano II sobre a liberdade religiosa.
O indiferentismo proclama ser indiferente a prática de uma ou outra religião; Pio XI condena este erro: “Todo homem é livre de abraçar e professar a religião que, guiado pela luz da razão, lhe parecer verdadeira”  (Syllabus,  proposição  condenada  nº15);  “Os  homens podem achar no culto de qualquer religião o caminho da salvação eterna” (propôs.º16); e também “deve-se ter fundadas esperanças na eterna salvação daqueles que não se acham de modo algum na verdadeira Igreja de Cristo” (Syllabus, proposição condenada nº17).
É fácil descobrir as raízes racionalistas ou modernistas destas proposições. A este erro se soma o indiferentismo do Estado em matéria religiosa; por princípio, o Estado estabelece que não é capaz de reconhecer a religião verdadeira (agnosticismo) e deve pois dar liberdade a todos os cultos. Eventualmente concordará em dar à religião católica um certo relevo por ser a da maioria dos cidadãos, mas reconhece-la como verdadeira, dizem, seria restabelecer a teocracia; pedir ao Estado para julgar a verdade ou falsidade de uma religião seria atribuir-lhe uma competência que ele não tem.
Mons. Pio, antes de se tornar cardeal, ousou expor este grande erro ao imperador francês Napoleão III, e lhe explicou a doutrina católica do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Em uma entrevista memorável de valor inteiramente apostólico, o grande bispo dá ao imperador uma lição de direito cristão, o chamado “direito público da Igreja”. Vale a pena fechar este capítulo com esta conversa.
Foi em 15 de maio de 1856, nos diz Pe. Théotime de Saint Just, de quem tiro esta citação25. Ao imperador que se jactava de haver feito pela religião mais do que a Restauração26, o bispo respondeu:
“Apresso-me em fazer justiça às disposições religiosas de Vossa Majestade e sei reconhecer, Senhor, os serviços que ela prestou à Roma e à Igreja, principalmente nos primeiros anos de seu governo. Talvez a Restauração não tenha feito mais do que vós. Deixe-me acrescentar que nem vós nem a  Restauração fizeram por Deus o que deveria ser feito, porque nem um nem outro restaurou seu trono, porque não renegaram os princípios da Revolução cujas conseqüências práticas, entretanto, combateis. Porque o evangelho social em que se inspira o Estado ainda é a declaração dos direitos do homem que não é mais do que a negação formal dos direitos de Deus.
É direito de Deus governar tanto os Estados como os indivíduos. Não é outra coisa o que Nosso Senhor veio procurar na terra. Ele deve reinar inspirando as leis, santificando os costumes, esclarecendo o ensino, dirigindo os conselhos, regulando as ações tanto dos governos como dos governados. Onde Jesus Cristo não exerce este reinado, há desordem e decadência.
Agora tenho o direito de vos dizer que Ele não reina entre nós, e que nossa constituição está longe de ser de um Estado cristão e católico. Nosso direito público estabelece que a religião católica é a da maioria dos franceses, mas acrescenta que os outros cultos têm direito a uma igual proteção. Não é isto proclamar que a Constituição protege igualmente a verdade e o erro? Sabeis, senhor, o que Jesus Cristo responde aos governos que se fazem culpados de tais contradições? Jesus Cristo, Rei do céu e da terra lhes responde: “e eu vos digo, governos   que vos sucedeis derrubando-vos uns aos outros, Eu também vos dou igual proteção. Dei-a ao imperador vosso tio, aos Bourbons, a Luiz Felipe, à República, e a vós também igual proteção será dada”.
E o imperador interroga o bispo: – “Ainda pensais que nossa época comporta tal estado de coisas, e que é chegado o momento de estabelecer este reúno exclusivamente religioso que me pedis? Não vos parece, Monsenhor, que seria desencadear todas as paixões ruins?”.
“ – Senhor, quando os grandes políticos como Vossa Majestade objetam que não é chegado o momento, só me resta inclinar-me, porque não sou um grande político. Mas sou bispo, e como bispo lhe respondo: se não chegou o momento de reinar para Jesus Cristo, então também não chegou, para os governos, o momento de perdurar”27.
Para encerrar esses dois capítulos sobre os aspectos do liberalismo, gostaria de ressaltar o que há de fundamental na emancipação que  ele propõe aos homens, isolados ou reunidos em sociedade. Como expliquei, o liberalismo é a alma de toda revolução, e é igualmente, desde o seu nascimento no século XVI, o inimigo onipresente de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus Encarnado. Não há dúvida: posso afirmar que o liberalismo se identifica com a revolução. O liberalismo é a revolução em todos os domínios, a revolução radical.
Mons. Gaume escreveu algumas linhas sobre a Revolução, que me parecem caracterizar perfeitamente o liberalismo:
“Se arrancando sua máscara, pergunta-se à Revolução: quem  és tu? Ela lhe dirá: eu não sou o que pensam. Muitos falam de mim e poucos me conhecem. Não sou o carbonarismo, nem motim, … nem troca de monarquia por república, nem substituição de uma monarquia por outra, nem a perturbação momentânea da ordem pública. Não sou nem os latidos dos jacobinos, nem os furores da Montagne, nem a guerrilha nem a pilhagem, nem o incêndio, nem a reforma agrária, nem a guilhotina, nem as execuções. Não sou nem Marat, nem Robespierre, nem Babeuf, nem Mazzini, nem Kassuth. Esses homens são meus filhos, mas não eu. Essas coisas são minhas obras, mas não eu. Esses homens e essas coisas são  passageiros mas eu sou um estado permanente. Sou o ódio por toda ordem que não tenha sida estabelecida pelo homem e na qual ele não seja ao mesmo tempo rei e deus. Sou a proclamação dos direitos do homem sem respeito aos direitos de Deus. Sou a fundação do estado religioso e social na vontade do homem em lugar da vontade de Deus. Sou Deus destronado e o homem em seu lugar. Eis porque me chamo Revolução, ou seja, subversão…”28.
Do Liberalismo à Apostasia – Mons. Marcel Lefebvre
Acompanhe a publicação dos capítulos aqui, ou compre por aqui ou aqui
20 Daniel Rops, “A Igreja das Revoluções”, pg.63
21 Daniel Rops, “A Igreja das Revoluções”, pg.63
22 Obra de Kant, 1793.
23 Cardeal Pie, bispo de Poitiers, Oeuvres: T.II, págs. 380-381, citado por Jean Ousset, “Pour qu’il Regne”.
24 Carta “Nosso Encargo Apostólico” de 25 de Agosto de 1910, PIN. 430
25 Pe. Théotime de Saint Just, “La Royauté Sociale de N. S. Jesus-Christ selon le Card. Pie”, Beauchesne, Paris, 1925, 2ª ed., pag. 117-121.
26 A Restauração é a volta da monarquia de Luiz XVIII entre a Revolução  Francesa e o 1º Império. Esta Restauração consagrou o princípio liberal da liberdade de culto.
27 Histoire du Cardinal Pie, T-1, liv. II, cap. 2, pag. 698
28 Mons. Gaume, “La Révolution, Recherches Historiques”, Sec. Soc. Saint Paul, Lille, 1877, T-1, pag. 18. Citado por Jean Ousset, “Pour Qu’il Regne”, pag. 122.

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