sábado, 6 de maio de 2017

NÃO TEMAIS! SOU O ANJO DA PAZ ...



Quando, pela primeira vez, um Anjo do Céu apareceu à Lúcia, a principal protagonista do drama divino que se representou na abençoada serra de Aire, a pastorita não devia estar em companhia dos seus amiguinhos, Jacinta e Francisco. 

Ao tempo dessa primeira Aparição, na qual o Anjo dir-se-ia não ousar manifestar-se-lhe inteiramente, a Lúcia era ainda muito pequenita, devia ter uns oito anos; ainda ela não sabia contar nem os anos, nem os meses, nem mesmo os dias da semana. Deveria ser um dos primeiros dias em que a mãe lhe confiara o rebanho e antes da tia Olímpia dar ao Francisco e à Jacinta a tão suspirada e rogada autorização de a acompanharem. As duas crianças teriam talvez de esperar ainda algum tempo até poderem seguir a Lúcia para a serra com as suas ovelhas.

 «Mais ou menos devíamos estar nos meados do ano de 1915, desde o mês de Abril até Outubro» - diz a Lúcia - incapaz de especificar melhor.
As afortunadas companheiras da Lúcia eram então três rapariguitas da sua idade, que ainda recordam, embora confusamente, o que se passou na encosta do Cabeço. São as já aludidas Maria Rosa Matias e Teresa Matias, e ainda Maria Justino.

«Tínhamos merendado - conta a Lúcia - e pusemo-nos a rezar o terço. A certa altura vimos que sobre o arvoredo do vale, que se estendia a nossos pés, pairava como uma nuvem mais branca que a neve, algo transparente, com forma humana>>. 
Uma das companheiras voltando a casa disse à mãe que tinha visto, por cima duma árvore, uma coisa branca que parecia uma mulher sem cabeça.

Surpreendidas, interrogaram-se: que poderia ser aquilo? Mas nenhuma, nem ninguém saberia responder. Em dias a seguir apareceu a estranha figura branca mais duas vezes, deixando no espírito das pequenas, especialmente da Lúcia, uma impressão que não sabiam explicar. 

«Esta impressão ia-se todavia desvanecendo e creio que - afirma a Lúcia - se não fossem os factos que se lhe seguiram, com o tempo a teria esquecido por completo>>.
Foi somente um ano mais tarde, mais ou menos na Primavera de 1916, quando os dois irmãozitos já tinham obtido licença para começar a guardar o gado, que o Anjo apareceu claramente, pela primeira vez, diante dos três pastorinhos, na Loca do Cabeço. 
Por uma disposição providencial de que elas mesmo não davam conta, as três crianças, realizada a aspiração dos seus coraçõezinhos, começaram a sentir como que uma necessidade de se isolar dos outros zagaletes. 

«E foi assim - narra a Lúcia com aquela singeleza suma que lhe é própria - que certo dia fomos com as nossas ovelhinhas para uma propriedade de meus pais, que fica ao fundo do Cabeço, voltada ao Nascente. Chamava-se essa propriedade Chousa Velha. 

Aí pelo meio da manhã, começou a cair uma chuva miudinha, pouco mais que orvalho. Subimos a encosta do monte, seguidos das nossas ovelhinhas, em procura dum rochedo que nos servisse de abrigo. Foi então que pela primeira vez entrámos nessa caverna aben­çoada. Fica em meio dum olival pertencente a meu padrinho Anastácio. Avista-se dali a pequena aldeia onde nasci, a casa de meus pais, os lugares da Casa Velha e Eira da Pedra. O olival, pertencente a vários donos, continua até se confundir com estes pequenos lugares. 

Aí passámos o dia, apesar da chuva haver passado e do sol se haver descoberto lindo e claro. Comemos a merenda e rezámos o terço. Terminada a reza, começamos a jogar as pedrinhas.

Alguns momentos havia que jogávamos, e eis que um vento forte sacode as árvores e faz-nos levantar a vista para ver o que se passava, pois o dia estava sereno; e eis que começámos a ver, a alguma distância, sobre as árvores que se estendiam em direcção ao Nascente, uma luz mais branca que a neve, com a forma dum jovem transparente, mais brilhante que um cristal atravessado pelos raios do sol.
À medida que se aproximava, íamos-lhe distinguindo as feições. Estávamos surpreendidos e meio absortos e não dizíamos palavra. Ao chegar junto de nós, disse: 
- Não temais! Sou o Anjo da Paz. Orai comigo. E ajoelhado em terra, curvou a fronte até ao chão. Levados por um movimento sobrenatural, imitámo-lo e repetimos as palavras
 que lhe ouvimos pronunciar: 

- Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo- Vos. Peço- Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam. 

 Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse:  

  - Orai assim. Os corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas. 
E desapareceu.

A atmosfera de sobrenatural que nos envolveu era tão intensa, que quase não nos dávamos conta da própria existência, permanecendo por um grande espaço de tempo na posição em que o Anjo nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. 
A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo. 
Nesta aparição nenhum de nós pensou em falar nem em recomendar o segredo. Ela de si o impôs. Era tão íntima, que não era fácil pronunciar sobre ela a menor palavra. Fez-nos talvez também maior impressão por ser a primeira assim manifesta».
Eram as primícias do contacto dos pastorinhos com o sobrenatural. Já o Céu tinha baixado até eles que, longe de compreenderem todo o alcance de semelhante favor, passados aqueles dias da influência inevitável que os trazia como que subjugados, voltaram ao viver despreocupado de antes, quase esquecendo tudo como se fora um sonho.
As brincadeiras, os jogos, as cantigas, as danças recomeçaram com o mesmo vigor, só o afastamento das outras crianças se mantinha, ou antes, se reforçava.    
Era o Céu que criava neles essa disposição, na preparação dos futuros acontecimentos.
Assim chegou o Estio, abrasador na aridez da serra. 
Lusco-fusco ainda, soltava-se o gado para, nas horas pré-matutinas, encontrar a erva orvalhada e quando o calor lhe tirava o apetite reconduzia-se ao aprisco para voltar a sair ao aproximar da noite. Todo esse tempo era então aproveitado pelos pastorinhos para o repouso e os folguedos à sombra acolhedora das figueiras ou junto do poço, quando o sol menos intenso se tomava suportável, sob a copa arrendada das oliveiras e amendoeiras. 
Foi neste local, recordado ainda pela Lúcia com tanta saudade, que um dia, à hora da sesta, o Mensageiro celeste se lhes mostrou pela segunda vez. 
«De repente - narra a Lúcia - vimos o mesmo Anjo junto de nós. 
- Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria tem sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios. 
- Como nos havemos de sacrificar? - perguntei
- De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício ao Senhor em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a nossa Pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar». 

- Jacinta, diz-me tu o que o Anjo disse. 

Mas também a Jacinta não tinha força para pronunciar qualquer palavra sobre o estranho acontecimento: 

- Amanhã de manhã to digo. Hoje não posso falar. 
«No dia seguinte - como narra a Lúcia - o Francisco mal se ergueu, pergunta-me: 
- Dormiste esta noite? Eu estive sempre a pensar no Anjo e no que ele te teria dito. 

Contei-lhe então tudo que o Anjo tinha dito nas duas Aparições. Parecia que ele não tivesse compreendido o que as palavras do Anjo significavam e perguntava: 

- Que é o Altíssimo? ... Que quer dizer os Corações de Jesus e Maria estão atentos às vossas súplicas?... 

E, recebida a resposta, ficava pensativo para depois recomeçar com outras perguntas. Mas o meu espírito então não era de todo livre e disse-lhe que esperasse até ao dia seguinte, porque naquele dia ainda não podia falar.
Esperou, satisfeito, um bocado, mas não deixou perder a primeira ocasião para fazer novas perguntas, o que fez levantar a voz a Jacinta:
- Tem cuidado; nestas coisas fala-se pouco!» 

E a Lúcia acrescenta: 

«Quando falávamos do Anjo não sei o que sentíamos. A Jacinta dizia: 
- Não sei o que me acontece, não posso falar, nem brincar, nem cantar e não tenho forças para nada. 

- Nem eu também - respondia o Francisco. - Mas que importa? O Anjo é mais que tudo isto, pensemos nele!». 

Orai! Orai muito! Oferecei constantemente ao Altíssimo ora­ções e sacrifícios. 
Estas palavras que as duas pequenas ouviram dos lábios do Anjo e que repetiram ao Francisco gravaram-se-lhes profundamente no espírito. 
«Eram estas palavras - diz a Lúcia - como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus. Como nos amava e queria ser amado, o valor do sacrifício e como ele lhe era agradável, como, por atenção a ele, convertia os pecadores. Por isso, desde esse momento, começámos a oferecer ao Senhor tudo que nos mortificava, mas sem discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, excepto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a ora­ ção que o Anjo nos tinha ensinado»
Oração e Penitência! Eis a grande revelação da Fátima! A mensagem exclusiva da Mãe do Céu ! 

Aproxima-se o Outono. O movimento das vindimas fora rápido porque os vinhedos são escassos na serra. Tinham acabado as sestas e os pequenas passavam os dias inteiros com o gado e de novo recebiam a visita do Anjo da Paz. 

«Passámos da Pregueira para a Lapa, dando a volta à encosta do monte pelo lado de Aljustrel e Casa Velha - conta a Lúcia. - Rezá­mos aí o nosso terço e a oração que, na primeira aparição, o Anjo nos tinha ensinado. 
Estando pois aí, apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e, sobre ele, uma Hóstia, da qual caíam dentro do cálice algumas gotas de sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração: 

  Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoro- Vos profundamente e ofereço- Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os Sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores. 
Depois levantando-se, tomou de novo o cálice e a Hóstia e deu­ -me a Hóstia a mim e o que continha o cálice deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo ao mesmo tempo:

Francisco, dizendo ao mesmo tempo: - Tornai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus
De novo se prostrou em terra e repetiu connosco mais três vezes a mesma oração: Santíssima Trindade ... etc., e desaparecem). 
Como depois das duas primeiras Aparições, a necessidade do silêncio fazia-se sentir imperiosa em todos três. 
Apenas de vez em quando o Francisco, a quem faltava a impressão do timbre da voz do Anjo, arriscava uma pergunta: 
Apenas de vez em quando o Francisco, a quem faltava a impressão do timbre da voz do Anjo, arriscava uma pergunta: 
E Jacinta, pronta, transbordando de incontida alegria:
   Foi o mesmo, a Sagrada Comunhão: não viste que era o Sangue que gotejava da Hóstia?
Então Francisco, como que despertando dum sonho:
- Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia de que maneira
E, ajoelhado no chão com a irmãzita, ficava longo tempo a repetir a oração do Anjo, Santíssima Trindade . .. etc .. Por algum tempo, os pequenos ficavam como que privados dos sentidos corporais, num abatimento físico que os prostrava. absorvidos por uma paz íntima, uma felicidade imensa: a alma concentrada completamente em Deus. 
«Não sei porquê - narra ainda a Lúcia - as aparições de Nossa Senhora produziam em nós efeitos bem diferentes. A mesma alegria íntima, a mesma paz e felicidade. M as, em vez desse abatimento físico, uma certa mobilidade expansiva; em vez desse aniquilamento na Divina Presença, um exultar de alegria; em vez dessa dificuldade no falar, um certo entusiasmo comunicativo. Mas, apesar desses sentimentos, sentia a inspiração para calar, sobretudo algumas coisas». 

«Não sei porquê - narra ainda a Lúcia - as aparições de Nossa Senhora produziam em nós efeitos bem diferentes. A mesma alegria íntima, a mesma paz e felicidade. M as, em vez desse abatimento físico, uma certa mobilidade expansiva; em vez desse aniquilamento na Divina Presença, um exultar de alegria; em vez dessa dificuldade no falar, um certo entusiasmo comunicativo. Mas, apesar desses sentimentos, sentia a inspiração para calar, sobretudo algumas coisas». 



Era uma Senhora mais Brilhante que o Sol
Pe. João M. de Marchi, I.M.C.

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