quinta-feira, 9 de março de 2017

Solidão em Deus — Caminho de santidade e força interior de Santa Catarina de Sena

Se havia alguma coisa triste para ela, era a perda de sua querida solidão. Mas o Espírito Santo, seu fiel mestre interior, a quem ela sempre ouviu, ensinou-lhe a compreender uma outra solidão em seu próprio coração. Em meio a todas as ocupações, ela se considerava sempre a sós com Deus. Alcançou a graça de manter-se não menos atenta ao Senhor do que se não estivesse absorta naqueles pesados trabalhos exteriores para distraí-la



Sensus fideiSanta Catarina de Sena é conhecida por suas inspiradas e providenciais cartas. Sua fecunda influência estendeu-se desde sobre pessoas humildes e relegadas ao abandono, até a reis, rainhas, magistrados e prelados de elevada hierarquia. Mas, não somente a estes. Solicitavam e acatavam os seus conselhos — e mesmo suas filiais reprimendas — homens revestidos do mais alto cargo eclesiástico: o de Sumo-Pontífice, o Vigário de Cristo na terra.
Seria oportuno meditarmos, neste artigo, a vida interior e as virtudes heroicas dessa alma tão admirável e tão fiel à Igreja de Cristo, bem como ao Santo Padre. Essa sua fidelidade nascia de seu intenso desejo de por ele se sacrificar na solidão e no silêncio, mas, também, em adverti-lo de maneira piedosa, contundente e oportuna. Com efeito, os grandes frutos de sua influência exterior germinaram, nasceram, cresceram e amadureceram a partir da intensidade de sua vida escondida em Deus.
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Sta. Catarina nasceu em Siena, em 1347, filha de James Benincasa, um próspero comerciante tintureiro e virtuoso, sempre solícito em deixar para os seus filhos uma sólida herança de virtude advinda de seu próprio exemplo, incutindo-lhes profundas lições de piedade. Sua mãe, Lapa, tinha uma afeição especial por Catarina.
Essa predestinada criança foi favorecida por Deus com graças extraordinárias desde pequenina. Ainda muito jovem retirou-se em solidão para um local próximo para imitar a vida dos Padres do Deserto. Retornando depois à casa dos pais, continuou sempre guiada pelo mesmo espírito.

Virgindade consagrada a Deus

Ainda em sua infância consagrara a sua virgindade a Deus por um voto privado. Seu amor pela mortificação e a oração, e seus sentimentos de virtude, eram tais que não são normalmente encontrados em tão tenra idade. Mas Deus quis colocar sua resolução em uma grande prova. Aos doze anos de idade, seus pais pensaram em casá-la. A jovem, vendo-os surdos às suas súplicas, redobrou em orações e austeridades, consciente de que a sua proteção deveria vir unicamente de Deus. Seus pais consideravam inadequada a sua inclinação para a solidão, comparada ao destino que planejaram para ela. Tentaram de todas as maneiras dissuadi-la de sua vocação e começaram a frustrar as suas devoções, privando-a, neste ponto, de sua pequena câmara ou cela que, até então, tinham permitido para os seus exercícios espirituais e orações. Sobrecarregaram-na com todo o trabalho penoso da casa, como se fosse uma empregada contratada. O trabalho mais difícil, as humilhações, o desprezo e os insultos de suas irmãs foram para a santa, no entanto, motivo de alegria. Tal era o seu amor ardente pelas cruzes, que elas as abraçava em todas as formas que se lhe apresentavam, com um santo anseio, recebendo todo maltrato com doçura admirável e heroica paciência.

A cela interior

Se havia alguma coisa triste para ela, era a perda de sua querida solidão. Mas o Espírito Santo, seu fiel mestre interior, a quem ela sempre ouviu, ensinou-lhe a compreender uma outra solidão em seu próprio coração. Em meio a todas as ocupações, ela se considerava sempre a sós com Deus. Alcançou a graça de manter-se não menos atenta ao Senhor do que se não estivesse absorta naqueles pesados trabalhos exteriores para distraí-la.
Em seu admirável Tratado da Providência de Deus, ela escreveu “que Nosso Senhor lhe ensinara a construir em sua alma uma cela privada, fortemente abobadada com a providência divina, e lá mantendo-a sempre próxima e retirada. O Senhor assegurara-lhe que isso significava que naquela cela interior ela deveria encontrar a paz e o repouso perpétuo em sua alma, onde nenhuma tempestade ou tribulação poderiam perturbar ou interromper.” Suas irmãs e outros amigos convenceram-na a juntar-se com eles nas diversões do mundo, alegando que a virtude não é inimiga do asseio no vestir, ou da alegria. Por meio de sutilezas eles se esforçavam para recomendar-lhe as liberdades perigosas dos passatempos mundanos e das vaidades. Catarina foi persuadida por sua irmã a se vestir de uma maneira algo mais gentil. Mas isso não durou e logo ela se arrependeu dessa sua resolução. Durante o resto de sua vida, ela chorou por essa equivocada decisão, reconhecendo-se culpada na maior infidelidade ao seu esposo celeste. A morte de sua irmã mais velha, Bonaventura, logo depois, confirmou-a nesses sentimentos. Seu pai, edificado em sua paciência e virtude, por fim aprovou e apoiou a sua devoção, bem como a todos os seus desejos piedosos.

Da contemplação alcançou luzes sobrenaturais, amor ardente a Deus e zelo pela conversão dos pecadores

Essa jovem singular liberalmente assistia os pobres, servia os doentes e consolava os aflitos e os presos. Sua subsistência resumia-se a ervas fervidas, sem qualquer molho ou o pão, que ela raramente provava. Vestia-se com um pano muito áspero, e usava um grande cinto de ferro armado com pontas afiadas, dormindo no chão, buscando intensamente a humildade, a obediência, e uma negação de sua própria vontade, mesmo em suas austeridades penitenciais, dava-lhes o seu verdadeiro valor.
Começou este curso santificante de sua vida com menos de quinze anos de idade sendo visitada com muitas provas dolorosas às quais ela se submeteu com incrível paciência. Também sofreu muito com o uso de banhos quentes prescritos por médicos. Em meio as suas dores, mantinha-se em constante oração para que suas dores pudessem servir pela expiação de suas transgressões e para a purificação do coração.
Em 1365, no décimo oitavo ano de sua idade, (mas dois anos mais tarde, de acordo com alguns autores) Catarina recebeu o hábito da Ordem Terceira de São Domingos, em um convento contíguo ao convento dos dominicanos. A partir desse momento a cela se tornou o seu paraíso, a oração a sua atividade constante, e suas mortificações já não tinham qualquer restrição. Durante três anos, ela nunca falou com ninguém, unicamente com Deus e seu confessor. Seus dias e noites foram empregados nos exercícios de deliciosa contemplação, cujos frutos tornavam-se luzes sobrenaturais, amor mais ardente a Deus, e zelo pela conversão dos pecadores.

“Onde estavas tu, meu Esposo divino?”

A antiga serpente, vendo sua vida angelical, pôs-se astutamente a trabalhar para assaltar a sua virtude. Primeiramente encheu a sua imaginação com as representações mais sujas, atacou o seu coração com as tentações mais vis e mais humilhantes. Depois, espalhou em sua alma uma nuvem de escuridão tal que lhe figurava o julgamento mais severo que se possa imaginar. Viu-se uma centena de vezes à beira do abismo, mas sempre apoiada por uma mão invisível. Manteve-se em fervorosa oração, humildade, resignação e confiança em Deus, perseverando vitoriosa e com o coração purificado. Nosso Salvador visitou-a após este amargo conflito, ocasião em que ela desabafou: “Onde estavas tu, meu Esposo divino, enquanto eu me encontrava em uma condição tão assustadora de abandono?” “Eu estava contigo”, respondeu-lhe o Senhor. “O quê!”, disse ela, “entre as abominações imundas com que minha alma estava infestada?!” Ele respondeu: “Eram desagradáveis e mais dolorosas para ti. Portanto, esse conflito foi o teu mérito, e a sua vitória sobre essas abominações deve-se à minha presença”.
Satanás também a incitou ao orgulho tentando seduzi-la para este vício. Mas a sua humildade invencível era um escudo que a cobria de todos os seus dardos inflamados e malignos.

Nada era difícil ou acima de suas forças

Deus recompensou sua caridade para com os pobres por muitos milagres, muitas vezes multiplicando disposições em suas mãos, e permitindo-lhe transportar cargas de milho, óleo e outras necessidades para os pobres, que as forças naturais não poderiam ter suportado. O maior milagre parecia ser a sua paciência em suportar os murmúrios, e até mesmo as repreensões dessas pessoas ingratas e importunas. Catarina vestiu, e serviu uma velha chamada Tocca, infectada em alto grau por uma lepra. Fora ordenado que ela fosse removida para fora da cidade, e fosse mantida separada de todos os outros. Esta pobre coitada, no entanto, não tinha o menor reconhecimento para com a terna caridade da santa, mas contínuas injúrias e amargas queixas. Ao invés de cansar-se e desmotivar-se, Catarina dedicava-lhe maiores doçuras, suportando suas humilhações.
Suportou em silêncio a perseguição violenta perseguições com paciência e orações. Obteve de Deus a conversão de muitos de seus inimigos e até mesmo de condenados impenitentes que se arrependeram sinceramente em seus últimos momentos.
A caridade ardente desta santa virgem tornou-a incansável em trabalhar pela conversão dos pecadores, por quem oferecia a Deus suas contínuas lágrimas, orações, jejuns e outras austeridades, sempre acreditando que nada era difícil ou acima de suas forças. Todos os seus discursos, ações e o seu próprio silêncio, poderosamente induzia os homens para o amor da virtude, de modo que ninguém, de acordo com o Papa Pio II, nunca se aproximou dela sem que se retirasse melhor do que quando chegara.
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Quando lemos a vida dos santos, e consideramos as graças maravilhosas com que Deus os enriqueceu, nós admiramos a sua felicidade em ser tão altamente favorecidos por Ele, e dizemos a nós mesmos que os seus trabalhos e sofrimentos não tinham qualquer proporção com a doçura da paz celestial e amor com que suas almas eram reabastecidas, e alegria espiritual e consolações faziam-se presentes como recompensador e superabundante auxílio. Mas foi na vitória sobre suas paixões, no fervor de sua caridade, e na perfeição de sua humildade, paciência e mansidão, que a sua virtude e felicidade principalmente se consistiram. Também não estamos a imaginar que Deus os ressuscitou para estas graças sublimes, sem a sua aplicação assídua na prática tanto da mortificação exterior quanto na interior, especialmente nessa última. A abnegação os preparou para este estado de perfeita virtude, e os apoiou nessa mesma virtude. Triste é ouvirmos as pessoas falar sobre virtude sublime, e vê-los fingir que aspiram a essa mesma virtude, sem ter estudado seriamente a necessidade de primeiramente morrer para si mesmos. Sem esta condição, todos os seus elegantes discursos são mera especulação, e seus esforços infrutíferos.
Aludindo ao milagre pelo qual Sta. Catarina se alimentava apenas da Eucaristia, mesmo no meio de prolongados jejus, o Missal Romano Quotidiano de hoje reza:
Concedei-nos, Senhor, a graça de encontrar a vida eterna neste sagrado banquete em que a bem-aventurada virgem Catarina alimentou também a temporal. Por Nosso Senhor Jesus Cristo.

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